Os FULGORES DO RIO é um programa de sessões ao ar livre dedicado a honrar as ecologias materiais e imateriais da água e do ecossistema ribeirinho do Mira. Pensar a água com os rios, à beira rio, num acto de cuidado recíproco atento à constituição dos ciclos hidrológicos ancestrais, é o que propomos com este ciclo na paisagem, onde outros rios serão convocados a dialogar com o Mira e os seres que o habitam, na fricção e na urgência ecológica que lhes é própria.
I.
592 METROZ GOITI / ABOVE 592 METERS
Maddi Barber
(2018)
HD, cor, som, 25 min
Nas encostas dos Pirinéus espanhóis, a construção da barragem de Itoiz, nos anos 90, inundou sete aldeias. Uma linha de rocha bruta rodeia a água verde contida, marcando a paisagem com uma cicatriz que recorda a ferida ainda aguda dos habitantes deslocados 592 metros mais acima. A paisagem mudou e a relação entre os homens e o seu ambiente foi perturbada. Depois de terem lutado durante anos contra a inundação das aldeias e das terras, são hoje os observadores distantes de uma mudança sofrida. Ilargi é um agricultor e Javier é um guarda-florestal responsável pela proteção dos abutres. Cada um deles encarna uma relação muito diferente com os animais e o espaço. Uma é próxima, com uma relação que envolve o toque, pois cuida das vacas. O outro, necessariamente longe das aves de rapina, observando-as sobretudo com binóculos, tem uma relação puramente visual. O filme reside aqui, nesta diferença de distância e de ponto de vista criada pela ruptura da paisagem e, com ela, de todo um ecossistema, numa forte dualidade de elementos, entre a vida e a morte. (Madeline Robert, Visions du Réel)
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URPEAN LURRA / LAND UNDERWATER
Maddi Barber
(2019)
HD, cor, som, 50 min
Um filme militante e onírico que nos transporta para o luto coletivo de uma terra engolida pela água.
Há cerca de duas décadas, a barragem de Itoiz inundou sete aldeias e três reservas naturais nas encostas dos Pirinéus de Navarra. A associação ambientalista Solidari@s com Itoiz documentou em vídeo a luta contra a sua construção. Hoje, os que lá estiveram sonham com a terra que ficou debaixo de água. As suas vozes e gestos entrelaçam-se num filme militante e onírico que nos transporta para o luto coletivo de uma terra engolida pela água.
II.
MILLS OF TIME
Pauline Rigal
(2025)
16mm /HD, cor, som, 46 min
Nas margens selvagens de um rio nas Cévennes, Philip e Tristan restauram o sistema de irrigação de um moinho de água do século XVII. Seguindo o caminho da água, trabalham juntos, fazendo pausas, descansando e partilhando momentos de calma.
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O som da água corrente de um rio sob a luz suave do dia, passando pelos restos de um velho moinho de água aninhado entre as rochas; rodeados pela floresta, dois homens estão sentados no recesso de uma cabana de pedra que abriga algumas ferramentas. Com a sua simplicidade e a composição cuidada dos enquadramentos, os primeiros planos de Mills of Time instilam uma dialética entre vários elementos fundamentais do filme: a água e a pedra, o efémero e o imutável, o homem e a natureza. Segurando as mesmas ferramentas rudimentares, as duas figuras repetem os mesmos gestos numa coreografia silenciosa, escavando canais, movendo pedras, como se viajassem no tempo. Os planos de sequência estáticos, dispostos como quadros, registam de forma encantadora a lenta transformação dos lugares. Neste ritual pacífico, cada modificação, por mais pequena que seja, torna-se um acontecimento teatral, e subtis explosões poéticas despertam uma ausência, ou talvez um desejo de reparar o que se perdeu.
Captando a beleza da paisagem e do movimento, Pauline Rigal compõe um poema visual e sonoro, preciso e claro, que convida à contemplação e ao espanto. O corpo em trabalho, em harmonia com os elementos, opõe uma resistência silenciosa à passagem do tempo, enquanto a duração dos planos e o cuidado com a simplicidade dos gestos e a materialidade do mundo revelam a dimensão sublime desta interação. (Nepheli Gambade)
III.
WHAT REMAINS AT THE ENDS OF THE EARTH?
Imani Jacqueline Brown
(2022)
HD, cor, som, 11 min
What remains at the ends of the earth? (O que resta nos confins da terra?) investiga a intersecção das histórias das terras habitadas pelos negros da Louisiana e a vasta rede de infra-estruturas de combustíveis fósseis que actualmente se sobrepõe a estes locais. O seu objetivo é dar visibilidade às formas como a produção de combustíveis fósseis herda as lógicas espaciais, económicas e ambientais racistas impostas pela escravatura.
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THE ISLAND OF ST. MATTHEWS
Kevin Jerome Everson
(2013)
16mm/HD, cor e p&b, som, 70 min
The Island of Saint Matthews é uma longa-metragem em 16 mm sobre a perda da história da família sob a forma de relíquias de família e fotografias. Há alguns anos, o realizador Kevin Jerome Everson perguntou à sua tia sobre fotografias antigas de família. A resposta dela - “perdemo-las na inundação” - foi o catalisador deste filme, um poema e um hino aos cidadãos de Westport, uma comunidade a oeste de Columbus, Mississippi,
aqui vista e ouvida a recordar a inundação de 1973 do rio Tombigbee.
IV.
AGA NI IKIRU / LIVING ON THE RIVER AGANO
Sato Makoto
(1992),
16mm/ HD, cor, som, 116 min
O rio Agano é o nono maior do Japão com uma extensão de 210 km. A água cai das montanhas numa das mais altas quedas de água do mundo. Como tem água abundante e corre de forma estável todo o ano, tem uma dignidade invulgar relativamente a outros rios japoneses. A água foi, no entanto, contaminada por uma descarga de mercúrio no rio feita pela Showa Electric Company. Vivendo numa casa alugada nas montanhas junto ao Agano, uma equipa de sete pessoas liderada por Makoto Satô passou quatro anos, de 1988 a 1992, a registar a relação de proximidade que ironicamente os conduziu à doença.
O Cinema Fulgor agradece a Rita Morais pela co-curadoria deste programa, a Sandra Santos, a Maria Odete, a Sergio Maraschin, à Junta de Freguesia de São Luís, à Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, à Junta de Freguesia de Vila Nova de Milfontes, a David Pereira, a Joana Brito, a Hiroatsu Suzuki, a Eloísa Suárez, à equipa do Café Nativa, ao Município de Odemira.