Os FULGORES DO RIO trata-se de um programa de sessões ao ar livre dedicado a honrar as ecologias materiais e imateriais da água e do ecossistema ribeirinho do Mira. Pensar a água com os rios, à beira rio, num acto de cuidado recíproco atento à constituição dos ciclos hidrológicos ancestrais, é o que propomos com este ciclo na paisagem, onde outros rios serão convocados a dialogar com o Mira e os seres que o habitam, na fricção e na urgência ecológica que lhes é própria.
I.
LA SOURCE DE LA LOIRE
Georges Rey
(1969)
16mm/ HD, p&b, som, 3 min
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VILARINHO DAS FURNAS
António Campos
(1971)
35mm / HD, p&b, som, 77 min
Protelada durante alguns anos a sentença de morte que havia sido ditada, Vilarinho das Furnas viu, em 1969, chegar a hora da sua destruição, pela construção de uma barragem. Remetida para um sistema de vida comunitária pastoril, único possível para vencer as deficientes condições de subsistência que o local oferecia, desapareceu sob o manto das águas frias e límpidas que, durante tantos anos, lhe deram vida… Uma homenagem ao povo, por quem acompanhou os seus doze últimos meses de existência.
Cópia digitalizada pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema no âmbito do projecto FILMar, integrado no Mecanismo Europeu de Financiamento EEA Grants 2020-2024.
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VUELTA A RIAÑO
Miriam Martin
(2023)
HD, cor, som, 15 min
Imagens em movimento filmadas do chão versus imagens em movimento filmadas do céu. As palavras de mulheres, homens e crianças versus discursos oficiais. Pessoas que não se querem mudar, “tal como os pinheiros na margem do rio”. Um vale transformado num reservatório. A luta de classes enterrada… e submersa. Uma composição incisiva que justapõe a circulação de imaginários populares e rituais de celebração televisiva e a história de controlo territorial e perturbação da vida.
II
GANGA (L’EAU)
Velu Viswanadhan
(1985)
16mm / HD, cor, som, 153 min
Viswanadhan aventurou-se no cinema quase acidentalmente. Tendo sofrido um grave acidente de viação na Alemanha em 1976, regressou à Índia numa busca existencial, nas suas palavras, para descobrir quem era. Recolheu areia das costas para as suas pinturas de areia e começou a filmar em Super-8 para o que viria a ser o primeiro filme da pentalogia, Sable. L'Eau, filmado em 16mm, segue Sable onde Viswanadhan viajou rio acima ao longo do rio Ganges, partindo da ilha de Sagar em Bengala (na confluência do rio com o oceano da Baía de Bengala) e viajando até à origem do rio em Gomukh nos Himalaias. O filme é uma exploração sensorial da vida que prospera nas margens do rio mais importante do subcontinente indiano, a sua linha de vida civilizacional. Em vários momentos encontramos imagens de rituais religiosos, arquitectura, pesca, artesanato, cada uma delas autónoma e auto-realizada, sem se alimentar de uma narrativa global, imagens documentais que conferem poesia ao mundano. Na banda sonora ouvimos cânticos e sons do campo que densificam a nossa receção da imagem. Os planos emanam muitas vezes de forma abstrata em pormenores de objectos ou seres vivos, antes de se alargarem e revelarem o ambiente. O filme evoca a história e a filosofia, os mitos e a poesia, os murmúrios do passado que ressoam através da vida nas margens, apontando para a sua perpetuidade, sempre atento às suas transformações sem ceder à romantização.
( Arindam Sen )
III
O PEIXE
Jonathas de Andrade
(2016)
16mm / HD, cor, som, 37 min
Situada na costa nordeste do Brasil, uma vila de pescadores com o ritual de abraçar os peixes na hora de pescar. Um abraço limite – rito de passagem – onde o homem retoma sua condição de espécie e, olho no olho diante de sua presa, a acalma através de uma ambígua sequência de gestos: afeto, violência e dominação. O sonho romântico da comunidade em harmonia com o seu entorno atesta a falta de conexão do homem da cidade com a natureza que está ao seu serviço. Entre teor de ficção e realidade, documentação e fantasia, a naturalidade da dominação esconde a espinha dorsal desta relação, constituída pelo constante exercício da força, poder e devoração.
Este filme foi realizado com peixes de viveiro e um grupo de pescadores de Piaçabuçu e Coruripe, foz do Rio São Francisco, encontro com o mar entre Alagoas e Sergipe. Os peixes são das espécies Pirarucu, Tambaqui e Tilápia. - Jonathas de Andrade
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A GENTE RIO / WE RIVER
Carolina Caycedo
(2016)
HD, cor, som, 29 min
Com A Gente Rio, 2016, Carolina Caycedo aborda a violência socioambiental resultante da construção de barragens hidroelétricas no Brasil – e os movimentos de resistência populares que se lhe seguiram. A barragem de Itaipu, uma das maiores do mundo, implicou a desapropriação massiva de terras, dando origem ao surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A barragem de Belo Monte, no rio Xingu, marcada por acidentes e irregularidades, encontrou grande resistência por parte da comunidade indígena. A barragem de Bento Rodrigues – cujo colapso recente provocou o vazamento de resíduos perigosos da atividade mineira – e a do Vale do Ribeira contaram com a forte oposição das comunidades afro-brasileiras descendentes de escravos foragidos (caiçara e quilombola), que agora exigem compensações. Para este projeto, Caycedo viajou para estes locais e reconstruiu-os com imagens de satélite, documentos e desenhos, criando com este filme um enquadramento multissensorial que permite entender o impacto ambiental destas barragens nas regiões circundantes. As histórias pessoais e os objetos que as ecoam, como as redes de pesca artesanais, atestam o conhecimento coletivo que resultou de profundas perturbações do território e apontam para a busca de modos de vida alternativos fora, e para lá, da infraestrutura energética imposta pelo desenvolvimento colonizador perpetrado pelo estado e pelas empresas.
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RECIPROCAL SACRIFICE
Carolina Caycedo
(2022) HD, cor, som, 13 min
O filme de Caycedo, Reciprocal Sacrifice (Sacrifício Recíproco), leva os espectadores na viagem de um salmão que procura regressar à sua zona de desova nas montanhas Sawtooth. O salmão narra os desafios que enfrenta ao nadar rio acima e fala sobre o aquecimento da água nos lagos, riachos e rios da bacia do rio Snake.
Com locuções de membros da tribo Nez Perce, os espectadores ficam a conhecer a generosidade do salmão na manutenção das pessoas e dos ecossistemas ao longo de gerações. Caycedo escreve que “esta generosidade performativa está no centro da sobrevivência dos indígenas da região, da sua luta do século XX pelos direitos de pesca e pela auto-governação.... O filme procura realçar a história cosmológica relativa ao auto-sacrifício, à generosidade, ao amor e à gratidão, ordenando-nos que cuidemos das relações salmão-humano e convidando os seres humanos a tomarem a iniciativa do auto-sacrifício para salvar o parente salmão”.
IV.
VERS LA MER
Annik Leroy
(1999)
16mm, p&b, som, 87 min
"Vers la mer" é um documentário sobre e inspirado no Danúbio, o rio da Mitteleuropa. O Danúbio, o único rio do nosso continente que liga tantas pessoas como uma mistura tão confusa. É a rota que liga o Ocidente ao Oriente, um mito tanto quanto uma realidade, um épico em direcção ao mar. Uma presença tão forte, tão deslumbrante, que congela o olhar e nos leva de novo a uma certa humildade. Um filme que quer situar-se entre o devaneio poético, a realidade histórica e contemporânea, encontros com aqueles que vivem ao longo das margens do rio. Será o rio o símbolo de algo mais do que ele próprio?" (Annik Leroy)
O Cinema Fulgor agradece a Rita Morais, a Sandra Santos, a Joana de Sousa e à Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, a Arindam Sem, a Enrico Camporesi e a Cécile Zoonens, do Centre Pompidou, a Catarina Laranjeiro e à Associação Veredas Pelo Cinema, à Junta de Freguesia de São Luís, à Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, à Junta de Freguesia de São Salvador e Santa Maria, à Associação Foz do Mira, ao David Pereira, a Fernanda Marques Pinto e a Alda Alves.